Um script consiste, segundo Adam (1996), numa
qualquer sequência de ações mais ou menos estereotipadas. No fundo, tem que ver
com um certo ato programático do género ir
ao cinema, fazer compras, fazer uma viagem, etc., as quais se
prendem, como se calcula, com (a) a
ordem cronológica factual, (b) com as
regras do mundo real e objetivo e (c)
com as regras de natureza sociológica. De forma mais abrangente, poder-se-á
definir um script (cf. Schank e Abelson 1977) como uma
“cadeia de inferência pré-organizada de uma situação específica”, ao passo que
o termo frame, no sentido que
Fillmore (1982) lhe dá, deve ser entendido por um esquema de conhecimentos ou de
padrões prototípicos e estereotipados, ou, ainda, hipóteses feitas pelos
indivíduos a respeito do mundo ou do estado de coisas no mundo (Garcez e
Ribeiro, 1987:140).
Com efeito, ir ao cinema, por exemplo, implica (i) que se saiba, de antemão, os filmes
em exibição na sala, (ii) dirigir-se
à bilheteira; (iii) pedir um bilhete
de acesso para um determinado filme; (iv)
pagar o bilhete; (v) dirigir-se para
o local específico do espetáculo, (vi)
sentar-se no lugar inscrito no bilhete, etc. De resto, qualquer alteração à
ordem destas ações traduzir-se-á numa lógica absurda, e, em última análise,
sujeitas a caução pelas regras da sociedade, pois, em boa verdade, seria, no
mínimo, bastante imprudente aplicar a regra (v-vi) sem, primeiro,
consumar as regras (i-iv), como seria igualmente inconsequente
(ii) dirigir-se à bilheteira, sem conhecer a panóplia de filmes em
exibição na sala, porquanto o título de acesso não poderá ser emitido sem a
devida inscrição no hic et nunc.
Ora, à luz do
que acaba de ser enunciado, parece-me que o sucesso literário do célebre
romance de Vitorino Nemésio – Mau Tempo
no Canal – se deve, acima de tudo, a toda uma panóplia de falhas do script originário. Quer com isto dizer
que, para lá de uma falha generalizada do script
típico da açorianadade, e, à la longue,
do script primário do ser português, é o próprio ato de
produção diegético que, de forma intencional, contribui, em grande escala, para
uma lógica estranha, absurda e disruptiva dos protótipos, à exceção, como veremos,
do título da obra, cuja configuração semântica não subverte o esquema de
aplicação das regras do mundo real.
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