2012/07/11

se num só alento quebrasse todas as fuliginosas cadeias

se num só alento quebrasse todas as fuliginosas cadeias
que me enlaçam e cercam e asfixiam Lea

se numa manhã de enleio numa noite de enredo
ascendesse por exemplo ao cume de el dorado
e aí pudesse com um só dedo um quarto de falangeta
fundir a neve que grassa mesmo aqui ao lado

se numa manhã de verão numa tarde de outono
descesse ao reino de plutão em fato de estafeta
e aí pudesse apenas com meia falanginha
trair a vigília roubar a bonança prolongar o sono
se pudesse desse modo anular a ameaça e o medo

ah se dividir pudesse num simples ato de coragem
estas magras certezas em duas metades supostamente iguais
                                      
e se soubesse mesmo preso aos fados posto à margem
o que fazer desta maldita corda bamba desta desventura
de andar sempre a viajar sem nunca sair do velho cais

se morresse deveras no ofício do meu dever
e viver pudesse ausente as verdades cruéis graves severas
desta latente mentira indexada à última falange

se dado me fosse saber de tudo isso o segredo
e facultado me fosse ver o acesso à máquina do tempo
quer dizer à terrível porta de entrada deste oficial medo

se quebrasse Lea as algemas de tudo isto

confesso involuntariamente quase sem querer
não compreender o famigerado degredo
a cavalo sobre um pretérito absoluto e malquisto

confesso a todos os efeitos legais quase em segredo
que logo Lea existo
 
[in Palimpsestos]
© Manuel Fontão

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