2012/07/01

melusinas


ele está ali só desamparado desiludido à beira-mar
à espera por certo que as vagas lhe devolvam
em bandejas de prata de luar de esplendor
toneladas de sal em quartos de sofrimento
que em noites de suor de tempestade de labor
emprestou aos fantasmas do delírio do desdém

e a cada onda que na costa se forma se despenha
ele é o primeiro a vociferar de forma intempestiva

tu ó incógnita água que o meu mal afugentas e espantas
acaso vislumbraste lá ao longe no alto mar
bocados da minha aziaga juventude à deriva
acaso divisaste os meus amores de praias de luar
por quem outrora combati e gladiei e carpi mágoas
acaso lobrigaste as minhas aventuras de maré cheia
onde tu ó força cruel bárbara estrangeira
onde tu foste testemunha viva de que eu desabusei

o pajem ele continuava neste ritmo aluciante arrebatado
a descrever objetiva e cruelmente o que deveras sentia
mas apenas o som surdo ordenado compacto
de um choque de duas massas era tudo quanto ouvia

ele continua aqui comigo à beira-mar sentado
e temos na consciência o mesmo fardo a mesma matiz                 
que se lavra à preia-mar a sucintos traços de sal e de giz

o pajem ele sou eu a gemicar atordoado
© Manuel Fontão

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