2012/07/06

hibernação baudelairiana

na almofada do desejo me deito e me deleito
e na escuridão da noite arquiteto e conjeturo
mulheres sem rosto sem escrúpulos sem leito
a gemerem desamparadas cegas contra um muro

há nesses raros momentos de delírio
algo de esquivo e de enigmático que me tenta
isto de agarrar medicamente o pesadelo
pelas pontas hirtas dos seus fartos cabelos
e numa intervenção paciente quase sanguinolenta
aparar-lhes os ramos feminis com dóceis escalpelos

 e por fim esmagadas as flores do martírio
 fingidamente adormecer como uma criança
 que exausta da sua longa e árdua jornada
 se deita de imediato no leito e logo descansa

sem pensar no que durante a noite aconteceu
sem pensar absolutamente em mais nada

 a não ser talvez no sono que já o venceu
© Manuel Fontão

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