2012/07/10

amanhã Lea vou furiosamente

amanhã Lea vou furiosamente
trabalhar no meu quintal

vou por toda a parte esculpir demente
as suas veias as suas entranhas os seus escolhos
                                      
e vou em golpes de desespero em gestos de metal
abrir um buraco de sete pés de profundidade
repito de sete peugadas de altura longitudinal
para aí sepultar em trajes rituais e de solenidade
todos os meus destroços todos os meus abrolhos
em risco de colisão ao capricho do pasmo essencial

vou em seguida cheio de raiva pleno de piedade
exumar eternos inimigos fugazes amantes
e depois num acesso de furor de recato e de humildade
vou acender os círios dois a dois dispostos em retângulo
para velar poder velhos corpos ao ritmo de antigos rituais  
                                      

e antes ainda que a paroxística agonia passe
vou roçar memórias na terra rubra e exangue
as mandíbulas em lume ávidas de sangue

ah sim vou fazer tudo isso e muito mais a golpes de açoite
vou fazer tudo isso que na minha pouca vergonha
ela não pensa não sabe nem sequer sonha

e por fim no limiar da quinta nos antros da noite
quando o dilúculo adormecer as estrelas as orlas naturais
vou regressar a casa exausto lívido cansado

vou fazer tudo isso e muito mais
porque amanhã é domingo quer dizer
porque hoje é sábado
 
[in Palimpsestos]


© Manuel Fontão

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