2012/06/24

O oblíquo: o terceiro complemento

A. Parte teórica

Para além das funções sintáticas de sujeito, complemento direto e complemento indireto, uma frase pode, obviamente, conter constituintes com outras funções sintáticas. Por conseguinte, observem-se os seguintes exemplos, prestando atenção aos elementos destacados:
 (1) O poeta pôs os livros na estante.
(2) O poeta falou do prémio.
 (3) O Diário de Lisboa publicou a notícia ontem.
 (4) Os membros do júri trouxeram uma novidade do Brasil.
 (5) Os membros do júri avaliaram a obra com uma grelha de verificação.
 (6) O laureado recusou discorrer sobre a sua obra.
 (7) O vencedor falou ao auditório sem qualquer entusiasmo.

Para se perceber que não estamos em presença, nem do complemento direto, nem do complemento indireto, é aconselhável aplicar os testes de constituência válidos para estas funções sintáticas. Assim, teríamos:

(1) O poeta colocou os livros na estante.
(1a) *O poeta colocou-os os livros.
(1b) *O poeta colocou-lhe os livros.

(2) O poeta falou do prémio.
(2a) *O poeta falou-o.
(2b) *O poeta falou-lhe.

(3) O Diário de Lisboa publicou a notícia ontem.
(3a) *O Diário de Lisboa publicou-a a notícia.
(3b) *O Diário de Lisboa publicou-lhe a notícia.

(4) Os membros do júri trouxeram uma novidade do Brasil.
(4a) *Os membros do júri trouxeram-na uma novidade.
(4b) *Os membros do júri trouxeram-lhe uma novidade.

(5) Os membros do júri avaliaram a obra com uma grelha de verificação.
(5a) *Os membros do júri avaliaram-na a obra.
(5b) *Os membros do júri avaliaram-lhe a obra.

(6) O laureado recusou discorrer sobre a sua obra.
(6a) *O laureado recusou discorrê-la.
(6b) *O laureado recusou discorrer-lhe.

(7) O vencedor falou ao auditório sem qualquer entusiasmo.
(7a) *O vencedor falou-o ao auditório.
(7b) *O vencedor falou-lhe ao auditório.

 Como se terá observado, o facto de as frases (a) e (b) serem – como são – agramaticais (cf. o asterisco, que se usa, na linguística, para designar a agramaticalidade…) prova que não estamos em presença, nem de um complemento direto, nem de um complemento indireto, mas, isso sim, de um terceiro complemento. De resto, estes constituintes são tradicionalmente designados complementos circunstanciais e classificados de acordo com o tipo de informação que veiculam (complementos circunstanciais de lugar, de tempo, de modo, de meio, etc.). Contudo, e de acordo com o DT , estes complementos designam-se complementos oblíquos. Note-se, em todo o caso, que os oblíquos podem ocupar diferentes posições estruturais e podem ter propriedades distintas. Por exemplo, na frase (1), a expressão [na estante] é um complemento do verbo e, portanto, um constituinte obrigatório do sintagma verbal. Com efeito, o complemento preposicional [na estante] é indispensável à compreensão de (1), conforme o teste de supressão deixará facilmente perceber:

(1a) O poeta pôs os livros na estante.
(1b) *O poeta pôs os livros.

Já nas frases (3), (5) e (7) o oblíquo é um complemento opcional (modificador), pois que a gramaticalidade resiste ao teste da supressão. Compare-se:

(2) O poeta falou do prémio.
(2c) ? O poeta falou.

(3) O Diário de Lisboa publicou a notícia ontem.
(3c) O Diário de Lisboa publicou a notícia.

(4) Os membros do júri trouxeram uma novidade do Brasil.
(4c) ? Os membros do júri trouxeram uma novidade.

(5) Os membros do júri avaliaram a obra com uma grelha de verificação.
(5c) Os membros do júri avaliaram a obra.

(6) O laureado recusou discorrer sobre a sua obra.
(6c) ?O laureado recusou discorrer.

(7) O vencedor falou ao auditório sem qualquer entusiasmo.
(7c) O vencedor falou ao auditório.

 Por conseguinte, podemos acrescentar, com toda a propriedade, que há oblíquos que são complementos do sintagma verbal e oblíquos que são modificadores, cuja diferença (entre uns e outros) pode ser detetada, por exemplo, através de um outro teste de constituência, na ocorrência, o teste de clivagem do SV (pois que o teste da supressão não se revela, nesta matéria, suficientemente operativo). Posto isto, e antes de prosseguir, importa precisar o conceito de clivagem, que consiste num processo de focalização do sintagma que se deseja testar. Compare-se, com efeito, as frases (8):

(8a) O poeta escreveu livros durante toda a vida. (FRASE NEUTRA)
(8b) FOI escrever livros durante toda a vida O QUE o poeta FEZ. (CLIVADA)
(8c) FOI escrever livros O QUE o poeta FEZ durante toda a vida. (CLIVADA)

 Ora, dado que o oblíquo pode ser separado, dever-se-á, então, concluir que (8) comporta um modificador [durante toda a vida], pois que, caso contrário, ter-se-ia um complemento. Veja-se, agora, o outro caso de figura, que pode ser, igualmente, exemplificado através do teste de clivagem do SV, neste caso, aplicado às frases (9-10):

(9a) O poeta falou do prémio.
(9b) FOI falar do prémio O QUE o poeta FEZ.
(9c) *FOI falar O QUE o poeta FEZ do prémio.

(10a) Os membros do júri trouxeram uma novidade do Brasil.
(10b) FOI trazer uma novidade do Brasil O QUE os membros do júri FIZERAM.
(10c) *FOI trazer uma novidade O QUE os membros do júri FIZERAM do Brasil.

cujas análises colocam em evidência a inseparabilidade das expressões [do prémio] e [do Brasil] dos respetivos SV, razão pela qual se pode legitimamente afirmar que estamos em presença de um complemento.

Posto isto, e em guisa de conclusão, importa ter presente que se torna possível reconhecer a diferença entre um complemento e um modificador, bastando, para o efeito, aplicar-se o teste de clivagem SV, isto é, colocar aquilo que se considera ser o SV no interior da construção clivada, segundo o seguinte esquema prototípico: SER + SV + O QUE + SU + FAZER + RESTO DA FRASE Veja-se, de resto, outro exemplo (cuja aplicação do teste revelará que se trata de um modificador, pois que pode ser deslocado para o interior de SV):

(10a) O Diário de Lisboa publicou a notícia ontem.
(10b) FOI publicar a notícia ontem O QUE o Diário de Lisboa FEZ.
(10c) FOI publicar a notícia O QUE o Diário de Lisboa FEZ ontem.

Face ao que acaba de ser descrito, poder-se-á, então, concluir que os constituintes que podem ser separados do SV desempenham a função de modificador, ao passo que os constituintes que não podem ser separados do SV desempenham a função de complemento, ou, dito noutros termos, os complementos são expressões selecionadas pelo predicado verbal, enquanto os modificadores, esses, não são selecionados pelo predicado verbal.


De resto, para além dos testes de constituência considerados supra, existem outros testes de diagnóstico suplementares para identificar (a) o complemento e (b) o modificador, a saber, [I-III]:

I. O que é que se passa com SU? [Usado, preferencialmente, com verbos psicológicos como assustar-se, aborrecer-se, atemorizar, deslumbrar-se, entristecer-se, hesitar, preocupar, pensar, renunciar, sentir, etc.]

II. O que acontece ao SU? [Usado, preferencialmente, com verbos estativos, como por exemplo, estar, morar, saber, ver, gostar, andar, conhecer, gostar, conhecer, etc.].

III. O que faz o SU? [Usado, preferencialmente, com verbos agentivos como fazer, construir, subir, correr, etc.]

(1d) *O que fez o poeta na estante?
(1e) O poeta pôs os livros na estante.

(2d) *O que fez o poeta do prémio?
(2e) O poeta falou do prémio.

(3d) O que fez o Diário de Lisboa ontem?
(3e) O Diário de Lisboa publicou a notícia, ontem.
(3f) Ontem, o Diário de Lisboa publicou a notícia.

(4d) *O que fizeram os membros do júri do Brasil?
(4e) Os membros do júri trouxeram uma novidade do Brasil.

(5d) O que fizeram os membros do júri com uma grelha de verificação?
(5e) Os membros do júri avaliaram a obra com uma grelha de verificação.
(5e) Com uma grelha de verificação, os membros do júri avaliaram a obra.

(6c) *O que se passou com o laureado sobre a sua obra?
(6d) O laureado recusou discorrer sobre a sua obra.

(7d) O que fez o poeta sem qualquer entusiasmo?
(7e) O vencedor falou ao auditório sem qualquer entusiasmo.
(7e) Sem qualquer entusiasmo, o vencedor falou ao auditório.

Face ao descrito, ter-se-á de concluir que o complemento não pode fazer parte do escopo da interrogativa, sob pena de o enunciado se tornar agramatical, ao passo que o modificador, esse, pode integrar o corpo da pergunta, sem que, por isso, o enunciado perca a gramaticalidade e surge obrigatoriamente na resposta.Significa isto que, das frases (1-7), apenas (3), (5) e (7) comportam um modificador, ao passo que as restantes encerram um complemento.

B. Parte prática


                            

Nota: em caso de dúvida, contactar, p. f. mffonsec@gmail.com
© Manuel Fontão

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