encontrei hoje no meu caminho uma velha
sobre
uma rocha abrupta melancolicamente sentada
de face
húmida crespa vermelha
permanecia ali imóvel estática
e
apercebi-me desde logo
que ora
seus cabelos puxava
ora suas
copiosas lágrimas
com um
negro trapo enxugava
questionei-a perguntei-lhe porque chorava
e a velha de olhos
doridos arregalados vazios
gritou
bem alto a dor que a atormentava
sinta
pois esta pele sulcada outrora bela e suave
em
malditas pregas encarquilhada envelhecida
observe
se assim entender estes cabelos brancos
estas
gengivas nuas amarelas descarnadas
estes
lábios insípidos enxutos cortados
repare
se lhe aprouver nesta fragilidade de flancos
(e aqui
mostrou-me grave os seus membros descarnados)
examine
analise sinta apalpe partilhe a minha dor
ou tal
como os cães vadios com que frequentemente cruzo
grite de medo de nojo de horror
calou-se
por fim a pobre criatura
e de
olhos esgazeados cravados no penedo
ouvia-a de voz fraca
trémula gemendo
odeio os
homens e os animais
porque
deles tenho medo
porque
deles tenho medo
porque
deles tenho medo
hoje
encontrei no meu caminho
sentada
encarniçadamente sobre uma rocha
uma velha que outrora foi
jovem terá sido bela foi flor
mete dó
não poder anular o tempo antecipar o destino
evitar
todo este espetáculo de horror
© Manuel Fontão
Sem comentários:
Enviar um comentário