2012/06/29

Encontrei hoje no meu caminho uma velha


encontrei hoje no meu caminho uma velha
sobre uma rocha abrupta melancolicamente sentada
                            
de face húmida crespa vermelha 
permanecia ali imóvel estática
e apercebi-me desde logo
que ora seus cabelos puxava
ora suas copiosas lágrimas
com um negro trapo enxugava

questionei-a perguntei-lhe porque chorava
e a velha de olhos doridos arregalados vazios
gritou bem alto a dor que a atormentava
                                      
sinta pois esta pele sulcada outrora bela e suave
em malditas pregas encarquilhada envelhecida
observe se assim entender estes cabelos brancos
estas gengivas nuas amarelas descarnadas
estes lábios insípidos enxutos cortados
repare se lhe aprouver nesta fragilidade de flancos
(e aqui mostrou-me grave os seus membros descarnados)
                           
examine analise sinta apalpe partilhe a minha dor
ou tal como os cães vadios com que frequentemente cruzo
grite de medo de nojo de horror
                                      
calou-se por fim a pobre criatura
e de olhos esgazeados cravados no penedo
ouvia-a de voz fraca trémula gemendo
                            
odeio os homens e os animais
porque deles tenho medo
porque deles tenho medo
porque deles tenho medo

hoje encontrei no meu caminho
sentada encarniçadamente sobre uma rocha 
uma velha que outrora foi jovem terá sido bela foi flor 
                                      
mete dó não poder anular o tempo antecipar o destino
evitar todo este espetáculo de horror
                                                                            © Manuel Fontão

Sem comentários: