ele
desde tenra idade
ficara
coitado sem pai
ia todas os
domingos à missa e ouvia
alguém
que numa voz grave tonitruante
dizia
que Deus Deus era bondade
e que
das crianças indiferentemente gostava
ele via
desse modo algo nele a despontar
uma
embora vaga esperança
alimentada pelo patético da situação
e não
fazia mais nada senão carpir mágoas
ele
pensava poder dessa forma cretina
a
piedade divina algum dia despertar
não
sonhando sequer o pobre diabo
que a
sua própria dor aos olhos alheios
ingenuamente expor constituía por definição
um grave
crime de lesa-humanidade
ele
tornou-se todavia adulto
mas bem
cedo os homens
por desdém
ou por vaidade
calcularam que ele lhes era um insulto
e mesmo
os cães sem beira nem dono
dificultavam-lhe a vida embargavam-lhe a voz
roubavam-lhe o sono
o
monstro como aliás todos os homens envelheceu
e quando
de tudo isto já moribundo se recorda
ele não
fala berra
tenho
uma enorme vontade
de
quando finalmente subir aos céus
deitar
os egrégios deuses à terra
© Manuel Fontão
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