2011/12/08

A teoria interacionista

1. A teoria interacionista

Os atos de fala, tal como foram originariamente descritos por Austin (http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/11/os-atos-de-fala-segundo-austin.html) e por Searle (http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/11/atos-de-fala.html), surgem um pouco como entidades abstratas e isoladas do contexto, ou melhor, como atos que não levam em linha de conta o seu âmbito de atualização. Com efeito, em ambas as perspetivas, de resto, pioneiras nesta matéria, os atos ilocutórios não tinham que ver com os atos precedentes, nem tampouco com o encadeamento discursivo do momento.

Ora, bastante diferente deste quadro teórico é a teoria interacionista, que prevê, muito justamente, a inserção de todo e qualquer ato de fala no seu próprio contexto comunicativo. Quer isto significar que o valor pragmático de um determinado ato só poderá ser definido de forma casuística, isto é, tendo em conta a totalidade do quadro comunicativo (http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/11/o-quadro-comunicativo.html). Na realidade, um enunciado do tipo (1), que, fora de qualquer contexto, se assume como uma asserção de valor meramente informativo, pode, quando inserido num quadro comunicativo particular, significar, entre outros valores igualmente possíveis, (1a) a ordem, (1b) a admoestação, (1c) a questão ou (1d) o pedido de esclarecimento:

(1) Loc. A: São onze horas...
(1a) Loc. B (filho): Está bem. Já vou para a cama!
(1b)Loc. C (filho): Desculpa. Atrasei-me um pouco na realização do TDC…
(1c) Loc D (cônjuge): Sim.
(1d) Loc. E (cônjuge): Pronto! Eu explico: (…)

Aliás, a prova de que a asserção cria um determinado horizonte de expectativas, no caso em apreço, uma reação específica por parte do destinatário (e que, como tal, pode muito bem ser tratada como uma implicatura…) será o caso de (2):

(2a) Loc. A: São onze horas. (silêncio do interlocutor B)
                  Responde quando te falam!
(2b) Loc. B: Mas não me perguntaste nada!

Notar-se-á, por conseguinte, que um mesmo enunciado pode – e tem, de facto – diferentes valores ilocutórios, tudo dependendo das variantes contextuais que só uma teoria da interação é capaz de explicitar. De resto, o mesmo se passa com os enunciados co-construídos pelos interlocutores ou daqueles que são produzidos na presença de vários interlocutores, como por exemplo, os trílogos e os polílogos. Veja-se, com efeito, este caso de figura:

(3) Loc. A (dirigindo-se a B): Tens uma bela caligrafia!
(3a) Loc. B: Obrigado, mas se calhar isso não é o mais importante.
(3b) Loc C: Quer isso dizer que não aprecia a minha?

Mas não é tudo. Com efeito, uma das outras potencialidades desta perspetiva teórica prende-se com o facto de não se poder continuar a considerar o ato isolado como unidade mínima pertinente, mas, antes pelo contrário, o par adjacente, isto é, a troca propriamente dita produzida, pelo menos, por dois interlocutores. Assim, mesmo nas formas ritualizadas da saudação, não será o ato inicial tomado isoladamente que será a unidade elementar da troca, nem tampouco o ato reativo, como pretendia Goffman, mas, isso sim, o par resultante da interação:

(4a) Loc. A: Boa tarde. Como é que vai?
(4b) Loc B: Bem. E você?

Na realidade, e contrariamente àquilo que muitos autores então defendiam, (4a) não possui uma qualquer autonomia pragmática, ou, para melhor dizer, (4a) existe apenas e necessariamente na sua relação interativa com (4b). Claro que, em tese, (4a) pode, como é óbvio, ficar sem resposta, mas tratar-se-á, nesse caso, de uma grave infração às regras de cortesia, que ditará, por certo, a morte da linguagem, e, neste caso concreto, o fim da história conversacional entre os respetivos locutores.

De resto, acrescente-se, em guisa de parênteses, que (4a) e (4b) não constituem, a meu ver, um par adjacente, tal como o termo foi definido por alguns autores. Aliás, o par adjacente, que requer, como sabemos, uma certa simetria dos atos inicial e reativo, existe apenas do ponto de vista teórico, faltando-lhe, porventura, evidência empírica. Na verdade, uma troca verbal como aquela que surge reproduzida em (5) soa, no mínimo, bastante estranha e não resolve satisfatoriamente os casos de fronteira (o elemento Janus), pois que, como se reparará, (5d) amalgama dois atos – um (ato) reativo (Bem) e um outro (ato) inicial (E você?), desfazendo olimpicamente o par adjacente (!):

(5a) Loc. A: Boa tarde.
(5b) Loc. B: Boa tarde.
(5c) Loc: A: Como é que vai?
(5d) Loc: B: Bem. E você?

Face ao exposto, parece evidente que as abordagens austiniana e searliana não se revelam capazes de descrever a construção da relação interpessoal, pois que, em particular, não levam em linha de conta o trabalho produzido no processo de figuração, ou seja, tudo aquilo que um determinado locutor empreende para que as suas ações não façam perder a face a nenhum dos participantes envolvidos na troca verbal, ao contrário, justamente, da pragmática linguística, cujo quadro se centra, entre outras coisas, na análise das unidades básicas do sistema de regras de cortesia.

© Manuel Fontão

Sem comentários: