2011/12/08

As regras de cortesia

1. A teoria interacionista

Para ler, primeiro, o ponto número 1, siga, s.f.f., a hiperligação http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/12/teoria-interacionista.html 
2. As regras de cortesia

Não vou, aqui, descrever exaustivamente o sistema de regras que superintende o todo social, até porque a questão já foi tratada noutro sítio (cf. Análise do corpus relativo à mensagem TMN). Apenas me limitarei a precisar que, neste capítulo, tudo se resume a um princípio básico e universal, cuja glosa poderia muito bem ser esta: tratem-se bem, pois o homo loquens está condenado a entender-se! No fundo, tudo se passa como se os interlocutores estivessem socialmente obrigados a respeitar um pacto de não-agressão, quer dizer, como se todos os locutores devessem evitar, a todo o custo, o confronto discursivo. Sem mais. As regras de cortesia surgem, assim, como um mal menor, como uma situação de equilíbrio precário, e, como tal, sempre prestes a romper-se. É, por conseguinte, graças a este sistema de regras que nós batemos a uma porta antes de entrarmos, que nós nos desculpamos quando pisamos alguém no metro ou na rua, que nós pedimos autorização para fumar, que nós nos penitenciamos quando interrompemos uma conversa alheia, etc. E percebe-se porquê. É que muitos dos nossos comportamentos diários ameaçam constantemente o território do nosso interlocutor, invadem, porventura, a esfera da privacidade de outrem, e, por isso, mesmo, impõe-se que produzamos expressões atenuantes, ainda que a maior parte delas sejam lexicalizadas pelo uso e, como tal, semanticamente vazias. Trata-se, com efeito, de expressões funcionais, neste sentido que têm apenas como objetivo atenuar as ameaças territoriais.

Implica isto que o trabalho das faces (face-work ou figuração) se resume, no essencial, a dois tipos de atos de fala, a saber, (i) aqueles que assentam numa espécie de cortesia negativa, que consiste, como sabemos, em evitar, estrategicamente, a produção de FTA (Face Threatening Acts), ou, em alternativa, em atenuar, através de procedimentos linguísticos adequados, a sua realização e (ii) aqueles que assentam numa espécie de cortesia positiva, que consiste, no essencial, em produzir um conjunto de FFA (Face Flattering Acts), tendo em vista o sucesso da troca verbal.

Face ao descrito, parece, doravante, óbvio que toda e qualquer interação verbal se rege por um jogo incessante e assaz subtil entre as marcas FTA e as FFA, cujo esquema se pode resumir como segue:

  • Um determinado locutor A comete uma qualquer ofensa (FTA) para com o locutor B, tentando, desde logo, reparar o seu ato, mediante um pedido de desculpas (FFA);
  • Um determinado locutor A presta um qualquer serviço a B (FFA) e, neste caso, B produzirá, em retorno, uma FFA, como por exemplo, o agradecimento (FFA).
Como se terá observado, todos os atos produzidos tendem, por conseguinte, a repor uma situação de equilíbrio discursivo, ou melhor, um certo nivelamento das faces, conditio sine qua non para o sucesso da empresa conversacional. Aliás, é que se passa com os atos sentidos como mais coercivos, como por exemplo, a ordem, cujo trabalho sobre as faces será maior ou menor, consoante, como é evidente, o estatuto e a situação concreta dos interlocutores. Assim, é perfeitamente plausível que, num auditório, o locutor A (conferencista) produza um enunciado do tipo (6), dirigido a um elemento do público (B):

(6) Importar-se-ia de fechar um bocado a janela?

Mas já soará um pouco estranho que o mesmo conferencista (A) produza um enunciado do tipo (7), sob pena de se ver acusado de grosseiro, de prepotente, etc.:

(7) Feche a janela!

Notar-se-á que tanto (6) como (7) reproduzem o mesmo conteúdo proposicional, a saber, a ordem para /fechar a janela/, mas enquanto o primeiro (6) parece menos coercivo, pois que é enunciado sob a forma de uma questão (em boa verdade, a formulação do ato indireto resume-se a um eufemismo sintático…), já o enunciado (7) não poupa a dupla ameaça que atinge, de forma algo brutal, não apenas a face negativa do interlocutor, mas também a sua face positiva.

De resto, acrescente-se, em forma de parênteses, que o mesmo se passa com a refutação (caso particular da resposta) ou com a crítica, conforme demonstram os enunciados que se seguem:

(8) Acreditas verdadeiramente que ele veio?
(eufemismo sintático que se pode glosar em qualquer do género: eu, cá por mim, acredito justamente no contrário, que ele não veio!...)

(9.1.) Não compreendo muito bem o que queres dizer…
(eufemismo sintático que se pode glosar em não estás a exprimir claramente o teu pensamento…)

(9.2.) Por que é que pões assim tanto sal na comida?
(eufemismo sintático que se pode glosar em tu pões demasiado sal na comida…)



Para ler o ponto número 3., siga, s.f.f., a hiperligação http://quiosquedasletras.blogspot.com/2011/12/as-maximas-conversacionais.html
© Manuel Fontão

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