2011/11/13

As sociedades da informação e o docente

1. A sociedade da informação

Constitui um lugar-comum afirmar que o mundo está a mudar a uma velocidade vertiginosa. Com efeito, as mudanças mais significativas do mundo hodierno situam-se ao nível da comunicação e da informação, quer se trate dos meios de armazenamento, quer se trate dos suportes de comunicação. Por outro lado, aumentaram substancialmente as linguagens síncronas, as conversas on-line e em tempo real e, destarte, a informação chega-nos às mais remotas zonas do planeta, pulverizando as coordenadas do hic et nunc. Basta que se pense na democratização dos telemóveis (que nos tornam contactáveis em qualquer lugar), nos jogos de computadores (repletos de sons e imagens que nos transportam para espaços virtuais) ou nas miríades de imagens e vídeos digitais que colecionamos nos novos álbuns de família.

De resto, ouvimos falar, com inusitada frequência, em competitividade, em economia de mercado global, em novas oportunidades, cujas expressões apontam, sem dúvida, para novos desafios e, como tal, obrigam o aprendente, a maior parte das vezes, a sucessivos melhoramentos das suas qualificações e competências, a um constante redimensionamento dos seus saberes e, correlativamente, a um aperfeiçoamento tecnológico do seu saber-fazer – conditio sine qua non para a consecução dos objectivos formativos.


2. O papel da escola

Ora, é justamente neste contexto pluridirecional que a escola se revela como uma alavanca das sociedades contemporâneas, na medida em que só ela é capaz de garantir, não apenas o sucesso das aprendizagens, mas também – e sobretudo – a promoção do contexto da mudança. Razão acrescida, por conseguinte, para que todos os atores envolvidos no processo formativo se familiarizem com as novas ferramentas, com a gestão de conteúdos em linha e com os materiais interativos.

Assim, qualquer que seja a escola do futuro, a verdade é que ela será, sem dúvida, diagonalmente atravessada pelas novas tecnologias da informação e comunicação. Aliás, os exemplos abundam na matéria, pois que é dado observar uma crescente participação de professores e alunos em salas de conversação on-line, uma adesão mais ou menos massiva às chamadas redes de comunicação, o recurso cada vez mais frequente a meios de duplicação digital [1], uma massificação avassaladora dos meios de captura e de reprodução digitais, etc., o que transforma o utilizador da língua num potencial comunicador à escala global.

Com efeito, a rede Word Wide Web afirma-se, cada vez mais, como um lugar de pesquisa e de tratamento de informação e muitos professores, cientes das potencialidades supervenientes do fenómeno, incentivam os seus alunos a recorrer a este meio inovador de partilha, o que nem é difícil, pois que, regra geral, os discentes dominam, ainda que seja ao nível do utilizador, diversos meios tecnológicos (telemóveis, computadores, câmaras digitais, consolas de jogos, etc.). Aliás, esta realidade técnico-juvenil, considerada por alguns investigadores, como uma pura alienação, tem levado a uma crescente rutura geracional, a saber, de um lado, os que dominam as tecnologias mais recentes e, do outro lado da barricada, aqueles que as não dominam [2].

Contudo, e qualquer que seja a solução de continuidade – ou de rutura –, a comunicação por via eletrónica tem vindo a ligar as escolas ao mundo, através, por exemplo, da videoconferência, do correio eletrónico, das ligações a bibliotecas em rede, das ligações a universidades, a laboratórios de pesquisa e a centros de investigação, etc. Ora, todos estes processos telemáticos resultam, para o bem e para o mal, numa contínua troca de saberes e experiências, ampliando os lugares físicos das aprendizagens (os contextos/aula) que, doravante, invadem outros espaços mais alargados (casa, emprego, rua, café, etc.).


3. O papel do docente

Na realidade, os meios cibernéticos permitem, hoje, aceder à informação, nos lugares mais remotos do planeta, através de um simples gesto, pelo que o docente se debate, nesta nova era, com um novo desafio: selecionar, interpretar e adaptar a informação às suas necessidades pedagógico/didáticas, quer dizer, transformá-la em competências no espaço/aula.

Ora, perante tantas mudanças, interrogações e novos desafios, impõe-se apoiar os docentes para este contexto de mudança e perceber que alterações curriculares estarão em jogo. De resto, e para melhor compreender a importância do fenómeno importa, antes de mais, traçar o panorama do sistema educacional português, designadamente, no que toca às novas tecnologias de informação, e, mais do que isso, conhecer o impacto que elas têm tido nos currículos das escolas.

Em boa verdade, têm surgido, nos últimos tempos, inúmeras iniciativas de implementação de tecnologias de informação no sistema educativo português, não apenas no capítulo da formação contínua de docentes, mas também no que se refere à integração de tecnologias de informação nos próprios conteúdos curriculares disciplinares. Basta citar, um pouco ao acaso, a crescente criação de espaços dedicados às novas práticas tecnológicas, a realização de projetos multimédia entre diversos estabelecimentos de ensino, o crescendo de práticas pedagógicas inovadoras, tais como o e-learning, o b-learning, os ambientes de aprendizagem imersivos, as plataformas de aprendizagem em linha, o reforço das infraestruturas de rede, a democratização do acesso à Internet, etc.

Claro que todas estas novas práticas evidenciam a importância que as tecnologias de informação têm merecido das instâncias políticas e governamentais, a que não será obviamente alheio o trabalho pioneiro de alguns professores, oriundos das mais diversas áreas disciplinares, que, gradualmente, têm integrado as tecnologias de informação no espaço-aula.

Todavia, deve referir-se que o contexto português, no que se refere à adoção das tecnologias informação em contexto educativo, é, ainda, esparso e pontualmente marcado por pequenas ilhas de inovação educativa (Ramos, 2005) e tais nichos de inovação educativa, ficam, em última análise, a dever-se ao esforço e convicção de muitos docentes, que procuram desenvolver projetos educativos curricularmente enriquecedores, dinamizando sessões de aprendizagem à distância, construindo portais temáticos e disciplinares e promovendo uma assídua comunicação com os discentes através de salas de conversação, de e-mails, de jornais em linha, etc.

Em consequência de tudo isto, e graças a este esforço pontual de um punhado de docentes, os decisores políticos começam, agora, a procurar uniformizar as condições de acesso às novas tecnologias de informação [3], tentando garantir às novas gerações, mesmo as mais desfavorecidas, a participação ativa na sociedade de informação, e, desse modo, fortalecer os níveis de competitividade numa economia cada vez mais global, tal como surge consignado no Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal, cujo documento refere que o potencial das tecnologias de informação, suscetível de servir os objetivos do sistema de ensino e formação, deve ser explorado, até pelo contributo que pode fornecer para melhorar a qualidade do ensino e, sobretudo, na preparação para a vida ativa. Assim, uma das prioridades a assumir consiste, por isso, na generalização da utilização dos computadores e no acesso às redes electrónicas de informação pelos alunos de todos os graus de ensino. [4].

De resto, é importante referir, nesta matéria, alguns projetos governamentais, nomeadamente, o MINERVA [5], que teve como objetivos fundamentais o apetrechamento das escolas com meios informáticos, a formação de professores, o desenvolvimento de software educativo e a promoção de atividades de desenvolvimento curricular e o Programa Nónio-Século XXI [6], que prestou um importante apoio ao desenvolvimento de programas educativos, à formação nas áreas das TIC (entre outras iniciativas de cooperação educacional), o Uarte – Internet na Escola [7], o EDUTIC [8] o CRIE [9]), um programa que envolve a conceção, o desenvolvimento, a concretização e a avaliação de iniciativas mobilizadoras e integradoras no domínio do uso dos computadores, redes temáticas e Internet nas escolas, assim como e os processos de ensino/aprendizagem carreados para as plataformas) e, por fim, o ERTE/PTE, que veio substituir o ECRIE.

De tudo isto, resulta que o docente, ator fundamental da escola do futuro, deve saber que tipo de tecnologias existe à sua disposição (assim como se torna imperioso perceber a que finalidades se subordinam), para, desse modo, otimizar a sua prática didática. Mas tal facto não implica, necessariamente, que o didaticista se demita da função essencial de que é investido: o de construir e organizar os saberes específicos da sua área disciplina. Trata-se, aliás, de um requisito básico (é para isso que ele lá está!...), sem o qual se cairá na mediocridade absoluta...

Na verdade, não basta adotar, de forma acrítica, um qualquer conjunto de tecnologias para que os processos de ensino/aprendizagem desemboquem no almejado sucesso educativo. Bem pelo contrário, importa, antes de mais, definir a conceção de ensino de que se parte para que se possa nortear a prática pedagógico-didáctica.

Assim, numa conceção empirista, por exemplo, em que o processo de aprendizagem é fundamentalmente centrado no professor (na medida em que é ele que escolhe, de forma mais ou menos unilateral, os conteúdos programáticos e seleciona, por capricho, os instrumentos de aprendizagem…), ao passo que o aluno, esse, constitui um elemento passivo, que tem apenas de reproduzir os conteúdos, verificar-se-á que a eventual utilização das tecnologias de informação, neste contexto, se revelará – hélas! – bastante rudimentar, não devendo, por certo, ultrapassar as consultas bibliográficas e alguns recursos didáticos preexistentes.

Do mesmo modo, numa perspetiva racionalista, supõe-se que o aluno possui já uma estrutura racional pré-formada, pelo que a escola apenas lhe poderá garantir um conjunto de experiências que lhe permitirá, certo, o amadurecimento cognitivo, mas, porque se trata de um processo centrado no aluno e de aprendizagem introspetiva (insights), as TIC, nesta ótica, tornar-se-ão puramente desnecessárias, neste sentido que constituirão meros repositórios de informação. Na realidade, dado que todas as atividades de aprendizagem estão centradas no aluno, o potencial cognitivo dependerá exclusivamente do seu desempenho…

Contrariamente às perspetivas delineadas supra, a conceção construtivista defende, por seu turno, uma profunda rutura com as conceções empiristas e racionalistas, na medida em que propõe uma abordagem às questões do ensino/aprendizagem através da exploração e manipulação ativa de objetos e ideias. (Piaget, 1971). Assim, o indivíduo afirma-se como o centro da ação didática e a aprendizagem constitui o resultado das transações que o aprendente efetua como o meio envolvente (Vigotsky, 1987). Por conseguinte, esta forma de encarar o processo de aprendizagem, permite uma contextualização das novas tecnologias e dos recursos a elas associadas e, mais do que isso, potencia o trabalho colaborativo e significativo dos atores envolvidos.
Contudo, tenho observado que, em nome desta última organização do processo de ensino/aprendizagem se escondem vários perigos. E, um dos mais nefastos, será, sem dúvida, a proliferação de uma cultura didática do espetáculo, em que a iconicidade se sobrepõe, por inteiro, ao pensamento lógico, rigoroso e científico. Quer dizer, tudo se passa como se o ato de ver se viesse substituir ao saber, o que é manifestamente errado e contraproducente. Outra fonte de preocupação consiste no facto de o docente, situado na sua zona de preguiça, ocultar eventuais falhas científicas por detrás do saber-fazer construtivista, pelo que, nesta aceção, o resultado tangível do processo formativo seria o conjunto dos saberes construídos no espaço didático. Nada mais falso, todavia. Porque o docente deverá, mesmo na perspetiva construtivista, assumir-se como um construtor, por excelência, do saber - que os seus co-construtores, obviamente, não detêm. Dito por outras palavras, o construtivismo não será, por certo, a panaceia que virá resolver as questões da DL.


4. Conclusão

Face ao exposto, e tendo em conta os novos desafios tecnológicos acima explicitados, torna-se urgente repensar o papel do professor à luz dos recursos emergentes, integrando nas suas práticas letivas, de forma dinâmica, novas situações de aprendizagem. Com efeito, hoje mais do que nunca, não basta planear os conteúdos das aprendizagens que resultam na sua mera reprodução, mas, bem pelo contrário, é necessário envolver o todo didático numa atividade de natureza transversal e interdisciplinar, socorrendo-se, para o efeito, das teorias do projeto. Mas não se julgue, contudo, que a cega aplicação de algumas fórmulas mágicas, ainda que bastante modernas e atraentes, constitui a medida suficiente para que a prossecução plena do processo formativo. Que a escola não é a imagem virtual da escola. Que a digitalização da cidade de Vila do Conde não é ainda a cidade de José Régio.
Importa, pois, por breves momentos, parar para pensar. Tanto mais que vivemos num tempo de mudança. Quer dizer, num tempo em que urge reorganizarmos as nossas práticas letivas, segundo as necessidades do contexto, promovendo, desse modo, novas formas de ensinar, e, em última análise, dando forma aos novos desafios. Que esses são, ao fim e ao cabo, o sal terrae.

[1] Cujas vantagens são inúmeras: são mais baratos que a vulgaríssima fotocópia, podem armazenar mais informação, suportam a duplicação sem perdas de qualidade, proporcionam a partilha de informação e aceleram a velocidade da distribuição. Aliás, nesta perspetiva, o CD-ROM, a pen-drive (entre outros meios de armazenamento digital) rivalizam com os cadernos e com as canetas convencionais…).
[2] Uma questão que se colocará num futuro próximo será a de se saber se estará, de alguma forma, ameaçada a hierarquia entre os detentores do saber (professores), e os aprendizes (alunos), ou, antes, se este constitui tão-somente um momento de esbatimento das hierarquias até agora dominantes nas escolas, isto é, um modelo em que os professores serão os supervisores do conhecimento, ao passo que as tecnologias, constituirão o principal mediador (Internet, e-learning, multimédia, chats, webquests, e-mail, etc.).

[4] http://www.prof2000.pt/users/gbagao/lv4.htm, página acedida no dia 17/08/2011.

[5] Meios Informáticos no Ensino: Racionalização, Valorização, Actualização, cujo programa terminou em 1994.

[6] Programa de Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação, cujo programa se desenvolveu entre 1996 e 2002.

[7] Que ficou concluído em 2003.

[8] Que terminou em 2005.

[9] Computadores, Redes e Internet na Escola.
© Manuel Fontão

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